" Na noite sem lua, ninguém vinha alumiar as trevas do Gineto. Ele ia-se embrenhando na noite pressaga de pensamentos maus. À sua volta, as sombras das árvores pareciam gigantes e bichos alados. Latiu um cão ao longe. E o som repercutiu-se pelas quebradas, deu voz aos bichos e aos gigantes. Gineto abriu os olhos para a noite e arrepiou-se. Estava perto da Quinta Alta, entre muros de vinhas e pomares que as suas mãos marcaram. As sombras já não eram de gigantes e bichos, mas de caseiros e guardas. E os latidos aproximavam-se…E a sombra do Sr. Castro movia-se, sorrateira, como num dia de Outono – dia de «pão-por-deus»…
Então, assustado, voltou para trás. Ainda pensou regressar a casa, à sorte. Mas, no cais, a luz vermelha do farolim recortava as silhuetas dos barcos. Luz que dirigia a porto seguro mareantes sem rumo. Por isso ele, mareante de um dia, desceu ao cais. A prisão, odiada dias antes, convertia-se agora em refúgio embalador. Lá estava o
Boa Sorte, que, nas águas serenas, parecia berço de criança. Na noite sem lua, só o farolim era estrela… E o bote baloiçava, baloiçava…
O Gineto-criança entrou nele e dormiu. "
Excerto do livro “Esteiros” de Soeiro Pereira Gomes.